Categorias
Artes de pesca

Arte Xávega em Portugal

Arte Xávega em Portugal

Uma arte secular em decadência
Organização, caracterização e declínio

Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Licenciatura em Arqueologia 
Unidade Curricular de Arqueologia Moderna e Contemporânea II 
Ano Lectivo 2010/2011 

Docente: Dr. Teresa Soeiro
Discente: Maria João Marques
Arqueologia Moderna e Contemporânea II Arte Xávega em Portugal

Praia de Mira – Barco S. José pertencente à primeira companha a Norte da Praia de Mira 
(Fotografia: Maria João Marques) 

Todas as povoações de pescadores que conheço estão arruinadas. Façamos as contas: os de Valbom, mortos; os de Esposende, mortos; mortos os da Foz; os de Mira com quatro companhas em vez de quinze, e os da Póvoa, que perderam todos os seus costumes, arruinados e fugindo para o Brasil e para a África. E por toda a costa portuguesa a pesca rareia. Como temos o condão de estragar tudo, empobrecemos as populações da beira-mar, para enriquecer meia dúzia de felizes. Cultivar o mar é uma coisa – é ofício de pescadores; explorar o mar é outra coisa – é ofício de industriais. 

Raul Brandão, Os Pescadores 

Conteúdo 
Introdução 4 
Contexto da actividade pesqueira em Portugal 5 
A xávega na actualidade – definição e limitações legais 18 
A organização das pescas 20 
As companhas, a pesca e as remunerações 20 
A comercialização 24 
Palheiros de Mira – dimensão envolvente e dinâmica 26 
As construções de madeira no Litoral  26 
Origem e evolução da povoação 31 
Fisionomia da povoação 35 A população 39 
A pesca e os pescadores  40 Vida rural  44 
O plano de urbanização: destino do aglomerado  48 Conseguirá a arte xávega sobreviver? 49 
Estratégias de sobrevivência  51 
Praia de Mira – Trabalho de campo  53 
À conversa com os pescadores: Américo Domingos, Chico da Boina e Manuel João  57 
Conclusão  60 
Bibliografia  63 

Introdução 

O presente trabalho visa abordar o estudo da arte xávega em Portugal, partindo desde as suas origens, traçando a sua evolução ao longo dos tempos, aspectos que dizem respeito às técnicas mas também à própria organização das comunidades piscatórias que se geram em torno desta actividade sazonal. De facto, mais que estudar esta arte como mera actividade económica, é preciso sobretudo analisar as suas implicações sociais e até antropológicas. O desenvolvimento desta actividade levou à criação de comunidades ao longo da costa Litoral Portuguesa, sobretudo na linha da Ria de Aveiro, send o que será alvo de análise a Praia de Mira. Em torno destas teve lugar o desenvolvimento de um pequeno conjunto de actividades, uma vez que os pescadores não podiam viver única e exclusivamente da pesca, destacando-se a agricultura, que era praticada sobretudo pelas mulheres. Isto vai implicar sobretudo questões de divisão territorial e, obviamente, conflitos sociais pela posse das mesmas. 

Para além disto há também um aspecto muito específico, sobretudo observado no caso da Praia de Mira, que é o surgimento de uma arquitectura popular, os conhecidos Palheiros de Mira. Serão aprofundadas todas as questões pertinentes relativas a este tópico, desde o seu aparecimento, a sua evolução e características tipológicas bem como toda a sua envolvente. 

Será aprofundado o exemplo da Praia de Mira e da sua área envolvente, sendo que para o qual foi realizado trabalho de campo lá e que com o contributo de alguns pescadores e moradores de Mira, enriquecerão certamente este trabalho e o estudo da arte xávega em geral e de todas as suas características específicas. 

Contexto da actividade pesqueira em Portugal 

O estudo das pescas enquanto elemento activo da economia de um país ou de uma região pode e deve abarcar áreas definidas, que se complementam culminando numa análise global que comporte os seguintes campos: científico, geográfico, económico, social, comercial e ainda legislativo. 

De facto, a “autonomia geográfica de Portugal é assegurada pelos rios e mar que lhe atribuem características muito próprias e lhe fornecem obviamente o sal e o peixe, produtos que a celebrizam ao longo dos séculos”1. Desde os seus primórdios que a pesca em Portugal foi considerada como “um direito senhorial, exercido pelo rei ou delegado por ele nos titulares e corporações religiosas, que em virtude de favor ou doação régia, ou em resultado de património, faziam da pesca uma espécie de caça reservada em toda a área dos respectivos condados, dioceses, castelos e mosteiros”2, à semelhança da divisão da propriedade rural e urbana que se verificava no continente europeu. 

“Nesse tempo, os pescadores trabalhavam por imposição dos senhores, que se apropriavam do produto da exploração, permitindo-lhes unicamente ficar com uma pequena parte da alimentação diária; em todos os condados, mosteiros, confrarias, etc., havia um certo número de pessoas encarregadas da pesca para a comunidade, e com penas graves, quando não apresentavam provisão suficiente, a ponto de, com frequência, serem açoitados em público, nas prisões ou nas esplanadas dos castelos, por denúncia e convencimento do desencaminho da pescaria”3. 

Em Portugal, o mar era considerado da propriedade e gestão do Estado, embora os direitos de uso nem sempre estivessem cabalmente definidos. Desde as Ordenações Afonsinas até ao Código de 1867, pouco se altera na sua natureza jurídica. As Ordenações do Reino 4 teriam escolhido do Direito Romano a ideia de que as águas marítimas e fluviais eram da Coroa e que os senhorios só teriam direito a dispô-las por expressa doação régia. 

Neste quadro senhorial foram-se consolidando finas camadas sociais que se interpõem sucessivamente entre o pescador, o verdadeiro agente interventor no trabalho e o rei. Figuras ligadas à cobrança de direitos senhoriais e régios tendem a agir e a impor-se, ao longo do tempo, na gestão pesqueira. A excepção deu-se com a criação da Companhia Geral das Reaes Pescarias do Algarve, organizada pela Monarquia em 1773  5. Inscreve-se no modelo geral de formação das companhias privilegiadas que serviram como instrumento de actuação política e económica. 

Ultrapassando esta fase, “a pesca transforma-se em actividade produtiva de extrema importância no sector primário português”6. Este lapso de tempo foi caracterizado pelo “exercício da pesca costeira e do alto com o emprego de “artes” e “aparelhos” rudimentares de reduzida capacidade, constituindo pequenas explorações de iniciativa individual ou de pequenos grupos, organizados em parceria”7. Ao longo deste período não se notam diferenças significativas no apetrechamento da indústria da pesca nos vários pontos do país. “As “artes” e “aparelhos” usados são idênticos desde o Minho ao Algarve, variando apenas o tipo de barcos, conforme as características de cada porto”8. 

1 QUINTAS, Maria da Conceição – O Aglomerado urbano de Setúbal: Crescimento Económico, Contexto Social e Cultura Operária 1880-1930. Coimbra, 1995. P. 68. 
2 SILVA, Baldaque A. A. – Estado actual das pescas em Portugal. Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, p. XXIII. 
3 IDEM – ibidem – P. XXV.
4 Séculos XV e XVI.  

5 Alvará de 15/1/1773 in Colecção de leis sobre pesca… 1552 a 1891, 34. 
6 QUINTAS, Maria da Conceição – O Aglomerado urbano de Setúbal: Crescimento Económico, Contexto Social e Cultura Operária 1880-1930. Coimbra, 1995. P. 68. 
7 IDEM – ibidem – p. 68. 
8 ROQUETTE, José Braz – Setúbal e o problema da pesca. Setúbal e os problemas da sua economia, Grémio do Comércio de Setúbal, 1949, p.18. 

Com o advento do capitalismo, assiste-se a profundas alterações na estrutura económica, que provocam uma ruptura no processo de exploração das espécies que povoam as nossas águas. Dos finais do século XVIII até 1920, ano em que surgem os primeiros “cercos” activados por barcos a vapor, desenvolve-se um segundo período nas fainas marítimas que, embora em permanente evolução, mantém princípios fundamentais inalteráveis”9. Este lapso de tempo é caracterizado pelo advento da grande indústria, mobilizando capitais apreciáveis no lançamento de “armações à valenciana”, apetrechamento de “cercos americanos”e barcos de arrasto de propulsão mecânica, factos que provocaram o desenvolvimento gradual da pesca costeira e, obviamente uma desvalorização da prática da arte xávega. 

Por outro lado, do ponto de vista social, à luz da própria sociedade rural que adquire um rosto diferente em função do espaço envolvente e das actividades económicas que podem contagiar esse meio, também as comunidades piscatórias variam a sua fisionomia em função dos mesmos vectores. 

Por princípio a adopção de determinada tecnologia piscatória10 deveria conduzir a uma maior extracção de pescado, reduzindo os custos de exploração e aumentando as taxas de captura, traduzidas num aumento da produtividade. Este foi um objectivo perseguido ao longo do tempo, implicando invenções ou inovações, mesmo transferências tecnológicas. De facto, as alterações e implementações tecnológicas sucederam-se. A pesca à linha era método antiquíssimo e generalizado que manteve primazia incontestada até ser suplantada pelas redes de emalhar, cerco e arrasto. O espinel era uma linha de muitos anzóis, técnica que, até aos finais do séc. XVII, não seria lançada longe da costa. A introdução das redes de cerco móvel11 constituiu um salto qualitativo fundamental. A estas redes juntam-se os pescadores das artes do chinchorro e da xávega que serão abordadas de seguida. Assim, deduz-se que, ao longo da época moderna, a eficiência de determinada tecnologia piscatória era medida pelo aumento das taxas de captura, devida à adopção de malhagens mais apertadas, de redes de maiores dimensões ou de ligações entre anzóis. 

Os melhores resultados obtidos apontaram para um novo conceito de tecnologia, muito mais abrangente do que um elenco de processos localizados. Emerge, desta forma, o princípio da eficácia económico-técnica que integra a transformação – conserva – o transporte e a distribuição do pescado. Com todas estas alterações é visível uma grande capacidade de adaptação de modelos técnicos previamente conhecidos e a transferência de práticas conhecidas ora na costa da Catalunha ou Galiza ou Andaluzia, que a legislação adopta ou condena conforme a conjuntura institucional. 

A difusão das técnicas, a transferência de modelos, a gestão do segredo, são factores estruturantes das sociedades piscatórias e a história da técnica de pesca deverá ser encarada, por conseguinte, no contexto das relações entre técnica e sociedade. 

Contudo, o avanço dos processos técnicos12 terá reduzido, a médio prazo, a taxas de captura e o acesso a fundos novos e ricos, em áreas cada vez mais afastadas da costa13, explicando que a produção total se mantivesse, durante anos, à custa do alargamento da pesca a novas regiões e o depauperamento sucessivo dos fundos tradicionais14. No entanto, o avolumar dos níveis de captura contribuiu para uma contradição ao próprio sistema – o avanço tecnológico trouxe consigo, a médio prazo, a redução das taxas de captura, com as inerentes consequências de agravamento dos custos de produção. 

De facto, em última análise devemos realmente ter em conta que o esgotamento dos recursos é factor fundamental para compreender o próprio relacionamento dos pescadores entre se si, tanto mais que, tendo em conta os aspectos apontados, podem surgir graves perturbações sociais se a produção e a produtividade descerem. Neste contexto, as instituições públicas reflectiram, já no século XIX, acerca dos limites de exploração comuns dos recursos, no cruzamento da organização dos serviços de pesca pelo Estado, do crescimento do interesse pelas ciências do mar e do esgotamento dos stocks piscícolas. 

9 IDEM – ibidem – P. 18. 
10 Artes e aparelhos. 
11 Provavelmente oriunda da Galiza na segunda metade do século XVIII. 
12 A sua aceleração processa-se com maior velocidade desde a última década do século XIX, com o aumento da tonelagem de barcos, aumento de dimensões da boca da rede de arrasto, emprego de roletes na tralha inferior da rede o que permite avançar para fundos mais ásperos, cabos ligados à rede, cada vez maiores, a fim de sustentar uma crescente qualidade do peixe.

13 A velocidade permitia rapidamente descarregar o peixe fresco nos portos e a salga e congelação permitam a sua manutenção por mais tempo. 
14 O esgotamento e a redução dos stocks foi percebido, empiricamente, ao longo do tempo, conduzindo à adopção de técnicas menos eficientes mas adequadas aos ecossistemas em causa, aspecto que pelo menos ao longo do século XVIII foi tomando consistência. Esta situação foi equacionada desde meados do século XIX, perante o desgaste alarmante de certos bancos de pesca. 

Arte xávega em Portugal – evolução e particularidades 

A arte xávega, também conhecida como Arte Nova, é basicamente do mesmo tipo de todas as artes envolventes-arrastantes de alar para a praia que, com inúmeras variantes, se encontram em todos os continentes. Na sua forma mais simples, a rede desta arte é constituída por duas mangas15, um saco, onde fica aprisionado o peixe e dois cabos de alagem que se prolongam às mangas. O seu princípio de funcionamento é simples16: uma embarcação larga da praia deixando em terra um dos cabos de alagem e dirige-se para o largo, de forma a envolver uma porção de mar ao mesmo tempo que vai calando o aparelho, primeiro o cabo, depois uma asa, o saco, a segunda asa e o segundo cabo que regressa com a embarcação à praia. Uma vez que o segundo cabo está na praia procede-se à alagem sincronizada dos dois cabos, arrastando assim, a rede até à praia e aprisionando os peixes que se encontram na área envolvida, dirigindo-se para o saco pelas duas compridas asas da rede. 

Esquema da utilização da xávega. (In Henrique Souto – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico). 

Brandt17 e Saharage et al18 referem o uso deste tipo redes desde pelo menos 3.000 a. C. Em várias regiões do Mediterrâneo tendo a sua difusão sido incrementada com o Império Romano. Porém, nenhum dos citados autores consegue porém estabelecer a origem precisa deste tipo de redes, sendo de supor o aparecimento com variantes em diversas áreas do Planeta, uma vez que o seu princípio de utilização é simples e lógico. 

Estas artes apresentam uma limitação: “só podem ser utilizadas em áreas onde os fundos marinhos sejam arenosos e onde existam praias que permitam as manobras da embarcação e das redes”19. Em Portugal existiram ou ainda são utilizadas redes envolventes arrastantes de diversos tipos e com várias designações e objectivos, de que são exemplos: as bargas20, as varinas21, as chinchas, os chinchorros, as pimpoeiras, as escaleiras, os rapões, as chamadas artes de arrasto, as xávegas, as murgeiras, as solheiras, não os tresmalhos que hoje existem com esta designação mas uma rede sem saco mas com um seio ao centro das asas e que era utilizada no Algarve, de acordo com a nota de Badalque da Silva22, as redes-pé, etc. 

17 1984. 
18 1992. 
19 SOUTO, Henrique – Comunidade de Pesca Artesanal na Costa Portuguesa – Estudo Geográfico. Lisboa, 1998. p. 134.
20 Utilizadas outrora para a captura do sável nos estuários e rios. 
21 Utilizadas até meados do presente século para captura do sável no rio Tejo. 
22 1891 

Praia de Mira – Auxílio do tractor em substituição dos bois, para trazer para a costa o barco e a rede (Fotografia: Maria João Marques) 

Barco de mar ou meia-lua actual. Desenho fornecido pelo construtor naval (In Henrique Souto – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico). 

Devido à dimensão do aparelho de pesca, a embarcação especificamente utilizada com esta arte deve possuir espaço interior suficiente para transportar as longas redes sendo ainda, caracteristicamente, de popa e proa anormalmente elevadas, para mais facilmente vencer a rebentação quando entra no mar”23. 

A arte xávega de hoje se utiliza em praias arenosas portuguesas terá sido introduzida no país em meados do século XVIII, quando a proibição da pesca do arrasto para a praia na Catalunha dispersou os pescadores para Rosilão, Languedoc, Galiza, Andaluzia e Portugal”24. 

Assim introduzidas no Algarve, por andaluzes e catalães, que se estabeleceram em Monte Gordo, começa a haver noticias deste tipo de artes em Buarcos25 e em Ovar26, levando a crer que terão sido introduzidas nesta por João Pedro Mijoule27, um francês que aqui se fixou trazendo consigo alguns catalães instruídos na sua utilização. Muitos autores pretendem fazer coincidir com a data da chegada deste francês e dos catalães que o acompanharam, o inicio desta arte de pesca de arrasto, na costa. Porém, contra esta hipótese, a referência nos livros de notariado de Aveiro de onde se pode inferir, sem margem para qualquer dúvida, que em 1751, 1764 e 1765 haveria já diversas companhas a pescar na costa, é elucidativa de todo. 

Já no Século XV o Infante D. Henrique cobrava tributo sobre as “enxávegas” que vinham de Castela. Da Catalunha provinha a designação de ”xabega”, com acentuação no E. Esta designação é ainda hoje corrente nos pescadores antigos quando nos chamam a atenção de que não é “xávega”, mas sim “chabéga” que se deve pronunciar. 

As características da costa portuguesa não contemplam elementos favoráveis ao estabelecimento de armações fixas, impedindo que os pescadores estendessem a sua pescaria a grande distância da costa pelas seguintes razões: 

O litoral é uma linha rectilínea e arenosa, sem grandes pontos de orientação, de tardio povoamento; 

Junto ao litoral não se abrigam espécies sedentárias; 

O fundo do mar é de areia limpa – não atractiva para uma fauna rica e variada – e em ligeiro declive, até 15km de distância da costa, onde as sondagens apenas atingem os 50 metros de profundidade; 

Inexistência de porto de abrigo essenciais para os pescadores se aventurarem no alto mar 28. 

Assim, não admira que a pesca fosse uma aventura árdua e de alto risco humano e material. Só restando, por isso, uma exploração costeira de espécies nómadas, restringindo-se a processos de captura muito especiais, visto que nem os barcos podem ter um largo campo de acção, nem as armações fixas são aqui susceptíveis de emprego, nem tão pouco a riqueza piscícola da costa dá ensejo a mais arrojadas tentativas de outro género – a sardinha é, assim o grande manancial. “Desova em Dezembro, Janeiro e Fevereiro, procurando lugares arenosos e pouco profundos da costa, movimentando-se de Inverno, de Norte para Sul, e de Verão, de Sul para Norte; a Primavera e Outono pairando do mar para terra e vice-versa”29. 

De facto, estas “artes novas” variam em relação às anteriores pelas suas dimensões que são, necessariamente, superiores. Porém, a variação de elementos que a compunham era frequente, dependendo do tamanho da embarcação e da própria rede. 

Esta técnica, segundo Inês Amorim, pode ter sido introduzida, aproximadamente pela mesma altura a Galiza, por três razões: 

Porque é bem provável que a semelhança com as redes de arrasto, existentes na costa, entre as quais se conta o chinchorro, fosse favorável à introdução da xávega30. Aliás, Lacerda Lobo, refere as redes de arrastar “chamadas em uns lugares xávegas em outros artes, nas quais a demasiada pequenez da sua malha é a causa de com elas se pescar a sardinha” e acrescenta num documento de 1542, impedindo a utilização de “xávegas”, que provaria a sua ancestral implantação em Portugal31. Na costa de Aveiro existem indicações da utilização de chinchorro em Esmoriz e Cortegaça e de redes de arrasto, sem especificar quais, em Ovar, nas MP de 1758. O objectivo das redes de arrasto ou varredouras é cerrar e alar para terra o peixe, sendo semelhantes à xavega. 

Eram constituídas por uma parte principal, saco, designado por “bocada”, de extremidades, “calões”, atados a cabos, “calas”; as partes da rede compreendidas entre a “bocada” e os “calões” têm o nome de “mangas”; as variantes entre as diversas redes deste género, estão no seu comprimento e, naturalmente, no número de braços humanos necessários no arrasto. O quadro seguinte mostra a estrutura das redes de arrasto ou “varredouras”.

24 CAVACO, Carmina – O Algarve Oriental. As vilas, o campo, o mar. 2 Volumes., Gab. Plan. Reg. Algarve, Faro. P. 496. 
25 Em 1750. 
26 Em 1776. 
27 Prático, conhecedor de uma técnica apurada que permitia conservar os excedentes capturados por períodos longos de semanas, e até, meses, Mijoulle virá a ser nomeado Vice-cônsul Francês no porto de Aveiro, chegando a ser «recomendado» pelo Poder Central junto da Vereação de Aveiro, sendo louvado por Pina Manique que afirma recomendar o francês pela “pronta extracção das pescarias que muitas vezes se perdia pelas praias por falta de compradores. 

28 AFREIXO, Jayme: Pescas nacionais – a região de Aveiro. P. 102 e 103. 
29 SILVA, A. A. Baldaque da: Estado actual das pescas. Lisboa, Imprensa Nacional, 1982, p. 103 
30 LOPES, Ana Maria Simões da Silva – o vocabulário português, p. 237 e 245, afirma que a precursora da arte xávega foi, em Sesimbra, o chinchorro, sendo esta largamente utilizada na ria de Aveiro, estabelecendo ligação aos fluxos migratórios. Considera que o espaço onde se usava a verdadeira arte xávega em Mira Sep. Actas do Congresso Internacional de Etnografia, v. 5, Lisboa, Junta de Investigação do Ultramar, 1965, p. 2, refere que o principal tipo de pesca utilizado nesta costa de Mira era a xávega, que substituiu, há muito, os chinchorros “já usados por ali, no século XVII” 
31 LOBO, Constantino Lacerda – Memória sobre a decadência das pescarias em Portugal. p. 283-284. 

Rede de arrasto da companha “Alexandre Vieira” – Praia de Mira (Fotografia: Maria João Marques) 

A manobra destas redes faz-se deixando, em terra, um extremos de uma das calas, o reçoeiro, e indo a bateira, ao largo, fazer o lance, trazendo depois o extremo da outra cala, a “mão-de-barra”, para a mesma praia. A gente da companha vai juntando-as, pouco a pouco, à medida que a rede vem vindo, e quando as mangas começam a sair e a pescaria tem entrado já para o saco unem-nas, completamente, e assim prosseguem na faina até o saco ficar em seco; 

A segunda razão prende-se com a forma como se introduziram as novas técnicas de pesca na Galiza. O reinado de Filipe II foi o período de maior esplendor pesqueiro na sardinha da Galiza. Acerca desta intensa actividade estacional os contemporâneos deram a notícia: abundância do recurso, valor da sua comercialização e processos de organização na sua extracção. A comprová-lo está a saída de sardinha proveniente da Galiza para Portugal e mesmo para a costa da Catalunha. Logo, os catalães quando chegam à Galiza, sabem bem da riqueza deste pescado e, após terem tentado implementar as suas novas artes da pesca “xávega”, mais rentável, as novas formas de salga da sardinha e a organização gremial diferenciada 32. 

Quando os Catalães chegaram à Galiza sabiam, porém, da relação ancestral dos galegos com a costa de Aveiro, perfeitos conhecedores e transportadores, ao longo dos séculos XVII e primeiro quartel do século XVIII, do sal das marinhas de Aveiro para Vigo, Pontevedra, Grove, etc33. Após a Restauração da Independência de Portugal em 1640, um anónimo de Aveiro refere-se ao perigo duma invasão, por ser de tanta importância ao inimigo por respeito do sal que padecem a Galiza, Biscaia, Astúrias e o Reino de Leão, que por falta de não terem sal poderão cometer a Vila que tão descuidada está; “e se o inimigo entrar na Vila lhe pode vir socorro por mar todos os dias da Galiza, Biscaia, e os galegos e biscainhos e asturianos sabem muito bem a Barra e de Verão entram com seus navios e pinaças e lanchas sem haverem mister de Piloto”34; 

A última razão baseia-se numa multiplicação de contratos – datados de 1751 – na vila de Ovar e de Aveiro, que reúnem um conjunto de expressões indicadoras da novidade, tais como: uma “rede nova chamada arte com o título de…”; ou “queirão fazer hua nova arte”, que “dependia de gastos”, contratando-se as várias redes, com um “mestre das redes chamadas artes” para “os emsignar dentro dos tres annos de tudo o que nessesario for pertensente a dita rede chamada arte e a lhes declara todo o segredo que tiver e for preciso para a dita rede haver de pescar”35.  

Relação entre núcleos piscatórios da Costa de Aveiro e Núcleos Litorais no Norte de Espanha (In Inês Amorim – Relações de trabalho e gestão pesqueira nos séculos XVIII e XIX – A pesca da xávega na praia do Furadouro (Costa de Aveiro) 

32 Vid. ROBERTO FERNÁNDEZ (ed) – España en el siglo XVIII. Homenaje a Pierre Vilar, Barcelona. Ed. Crítica, 1987, p. 487-489. 
33 AMORIM, Inês – O comércio de sal de Aveiro até meados do século XVII – relações comerciais com o Norte da Europa e Galiza. Boletim Cultural da Câmara Municipal de Aveiro. Aveiro, nº 17, 1991, p. 9-15. 
34 BAJ, 51-IX-7 (211) – Representação da Guerra – 1640.
35 ABA-SN-Ovar, nº 332. 

Mesmo que esta hipótese não se confirme, o facto de as xávegas poderem ter sido introduzidas na costa de Aveiro por volta do ano 1751/52, persiste a certeza de que o francês Mijoule já se encontrava, em Novembro de 1771, contratado com pescadores de Esgueira, núcleo vizinho a Aveiro. 

 De facto, estas artes foram as homónimas das precursoras das artes actuais. Aliás, “o verdadeiro precursor da arte xávega foi o chinchorro, que só terá aparecido no século XVI, entre a foz do Douro e a Caparica. Pelas suas grandes dimensões, a introdução do grande chinchorro só foi possível em associação com um novo tipo de embarcação: o Meia-lua, saveiro ou barco do mar. Estes, apresentam uma proa arrogante, altiva, muito elevada, como a desafiar o mar, quando varados na quietude da praia, e uma popa com uma elevação fora do usual”36. 

Há casos em que os grandes chinchorros coexistiram com as xávegas modernas. Mas, por outro lado, os chinchorros terão sido os principais responsáveis pelo povoamento dos areais da costa centro portuguesa, correspondendo à procura de novos lugares para pescar pelas populações da área lagunar de Aveiro, num movimento que parece ter sido gradual e paralelo. Assim, os pescadores de Ovar terão sido os responsáveis pelo povoamento e desenvolvimento da pesca desde o Furadouro até Espinho; os da Murtosa pelo povoamento de todo o areal entre a Torreira e S. Jacinto e os de Ílhavo pela área da Costa Nova do Prado até à Praia de Mira – será abordado mais frente a questão do povoamento da costa litoral. 

Em 1906 dá-se uma importante inovação: a pesca que até então era executada com o auxílio de duas embarcações passa a utilizar uma única, de maior dimensão, o que lhe permite levar todo o aparelho: os novos xávegas apresentam-se com maior envergadura, vão a distâncias maiores da costa, têm 2 ou 4 remos e uma tripulação que oscila entre 36 a 46 homens, conforme, repartidos pelos remos do barco. Esta modificação veio generalizar-se por todas as praias. No Furadouro, mantiveram-se a pescar anualmente uma ou duas xávegas até 1967. Porém, nos anos de 1968, 1969, 1972 e 1973 nenhuma companha trabalhou confirmando, assim, as informações de outras praias de que as décadas de 1960 e 1970 foram aquelas em que se verificou maior crise neste tipo de pesca, provavelmente por falta de mão-de-obra, marcando o fim do período das grandes xávegas, processo que ocorreu por essa época em todas as praias. 

Esse período corresponde à redução na dimensão das embarcações e das redes, que mais não foi do que um ajuste a essa falta de pescadores. A década de 1980 parece ter feito renascer esta arte, em parte graças à crise da pesca longínqua, e armaram-se novas companhas. No Furadouro, por exemplo, trabalharam quatro 1981 e 1982 parecendo ter sido o ressurgimento deste tipo de pesca. 

A adesão à Comunidade Económica Europeia e as decorrentes alterações legislativas vieram limitar a possível expansão desta arte, que só foi regulamentada em 199637. O número 1 do artigo 10º refere: “não são concedidas novas autorizações nem licenciamento inicial para o exercício da pesca com xávega”. Neste contexto legal não se assistirá ao desenvolvimento da pesca com este tipo de arte, mas apenas a eventuais rearranjos das embarcações existentes, nomeadamente com mudanças da propriedade e do local onde trabalham. Assim, esta portaria, ansiosamente esperada pelos pescadores, mais não é do que a “morte anunciada” da pesca com arte da xávega em Portugal.

36 SOUTO, Henrique – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico. Lisboa, 1998. P. 136. 
37 Portaria nº 488/96, 13 de Setembro 

A xávega na actualidade – definição e limitações legais 

A portaria referida no ponto anterior define arte de xávega como uma rede envolvente de alar para a praia manobrada por uma embarcação: a alagem da rede pode ser efectuada mecanicamente, com tracção animal ou com força braçal humana.

Os comprimentos máximos admitidos para o aparelho são de 3000m para os cabos de alagem, 380 para as mangas e 50 para o saco. O vazio da malha não pode ser inferior a 20mm no saco, menor do que 120mm junto à boca do saco e de 500mm junto às calas. Uma vez que se trata de uma actividade que ocupa importante parte das praias, também o seu uso em limitações temporais e materiais: não pode ser exercida durante a época balnear, em áreas concessionadas e aos fins da semana e feriados, entre as 10:30h e as 18:30h; o uso de tractores está limitado a 3 embarcações, podendo apenas movimentar-se nos locais determinados pelas autoridades no inicio de cada safra. Deverá também ser considerado o artigo 6º da Portaria que determina que quando predominem espécies subdimensionadas nas capturas de um lanço a actividade deverá ser interrompida até ao virar da maré. 

Elementos da rede de arrasto, usada na arte xávega. 

Distribuição das companhas de artes de arrasto/xávegas em 1885/86 e em 1997 (In Henrique Souto – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico) 

Em 1997 trabalharam em Portugal cerca de 60 embarcações com arte de xávega, distribuídas por dois sectores da costa: o primeiro englobando a costa da Caparica, a Fonte da Telha e a Praia do Meco, o segundo entre Espinho e a Praia da Vieira. Se comparada com a situação encontrada por Baldaque da Silva, verifica-se o desaparecimento total desta arte da costa Algarvia. Embora o Algarve tenha sido uma das áreas de introdução da xávega em Portugal, também o seu desaparecimento foi aí mais rápido, de tal forma que hoje quando questionados sobre esta arte a maioria dos pescadores não a conhece ou apenas como sendo aquela rede que usam no Norte e que alam para a praia com bois. No entanto, ainda no ano de 1996 houve duas matrículas de xávegas no Algarve. 

A organização das pescas 

As companhas, a pesca e as remunerações 

A pesca com xávega é, na actualidade, executada em moldes completamente distintos dos praticados até ao fim dos anos 1980, época em que se começou a generalizar a motorização das embarcações e a alagem das redes com o auxílio de aladores acoplados e tractores. Toda a enorme massa humana, característica até então deste tipo de pesca, e descrita pormenorizadamente por diversos autores, encontra-se hoje reduzida, em média a 12 pescadores”38. Actualmente apenas 3 pescadores são suficientes para manobrar e calar o aparelho: o arrais do mar e o calador39. A maioria do trabalho é executado em terra na preparação do aparelho para o lanço seguinte e, sobretudo, na separação do peixe para a venda. 

Por norma, mal a embarcação vara na praia após ter feito um lanço, e enquanto os tractores procedem à alagem do aparelho, é colocada nova rede no barco – cada companha utiliza duas redes -, ficando este ponto para o lanço imediato”40. Esta tarefa é obviamente da responsabilidade do pessoal de terra, que inclui o arrais de terra, o leiloeiro – ou contabilista – e os camaradas. 

Cada lanço da xávega, embora variável, demora entre 3 a 4 horas, desde a entrada da embarcação no mar até à colocação do peixe à venda, assim repartidas: entre 30 a 40 minutos para efectuar o cerco; entre 1:30h e 1:45h para alar o aparelho e ainda entre 1:30h e 2h para separação do peixe. Por norma, se o mar for favorável, se se estiver a vender bem, podem fazer-se 5 ou 6 lanços por dia. 

Ainda que apresente variações, o sistema de partes praticado destina habitualmente entre 40 a 50% do produto para o armador41 atribuindo-se em regra duas para os arais, duas partes ou parte e meia para o pessoal com tarefas mais importantes abaixo dos arrais e uma parte a cada camarada. 

Manobra de alagem da corda da rede – Praia de Mira (Fotografia : Maria João Marques) 

Preparação de um novo lanço – Praia de Mira (Fotografia: Maria João Marques) 

Uma vez que “a companha varia em número de pessoal durante o decorrer da safra, a parte que cabe a dada um será tanto maior quanto menor for a companha, já que o produto é dividido em menos partes”42 – neste caso o maior ganho corresponde a mais trabalho, o que é justo e lógico. No entanto, geralmente a propriedade das embarcações assenta em sociedades de vários sócios que, ainda assim, argumentam que aquilo que ganham não chega para as despesas de combustível e de manutenção. 

Assim, o número reduzido de homens que hoje integram uma companha de xávega não é apenas o resultado da mecanização das tarefas, nem a consequência da falta de pessoal mas sim devido aos poucos ganhos desta arte, levando os pescadores a procurar pescas mais remuneradoras, normalmente nos principais portos da área da xávega. Nesta arte, os níveis de remuneração do pessoal são muito baixos e não permitem a sobrevivência sem uma fonte de rendimentos complementar para o pescador. 

Por exemplo, os arrais do mar de uma companha da xávega da área da laguna de Aveiro que participou em todos os lanços da safra ganhou e 1995 cerca de 2250 euros. No entanto, dada a variabilidade da pesca de ano para ano, estes valores podem variar muito. Uma vez que esta arte só é praticável durante cerca de 5 meses do ano, gira em torno desta arte uma “nebulosa” de reformados, que acrescentam um pequeno complemento às reformas, geralmente muito baixas ou ainda pescadores que não conseguem sair do pequeno horizonte da pesca na praia, migrando para pescarias mais estáveis e remuneradoras. Por outro lado, a actividade de uma companha depende da audácia do respectivo arrais, das previsíveis vendas ou mesmo da robustez da embarcação, explicando que umas companhas pesquem e outras não. 

38SOUTO, Henrique – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico. Lisboa, 1998. P. 155. 
39 Estava encarregado da “arrumação dos aparelhos na ré do barco”, com o auxílio de algumas ajudantes em terra ou então por alguns remadores que lhe passavam a corda da areia para o interior do barco. Era um trabalho muito especial, tendo em conta que se tratava de organizar cordas com o comprimento de 8km ou mais, e acomodar uma rede que media cerca de 270 metros do extremo do saco às pontas das mangas. 

40 IDEM – ibidem – p. 157. É preciso considerar que antes de colocar o aparelho na embarcação este deve estar seco e limpo de areias, caso contrário o seu peso aumenta consideravelmente tornando a navegação mais difícil.
41 O armamento de uma companha de xávega exige, obviamente, um considerável investimento, já que é preciso adquirir a embarcação e os aparelhos, os tractores e os aladores. Em alguns casos, porém, o armador é simultaneamente agricultor, o que lhe permite utilizar os tractores em complementaridade na pesca e na agricultura. 
42 IDEM – ibidem – p. 158. 

 

Comparação dos perfis e das dimensões de embarcações representativas das utilizadas com a arte da xávega (sendo tab = toneladas de arqueação bruta; CS = comprimento de sinal) (In Henrique Souto – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico) 

Comparação da variação diária do número de lanços de duas companhas da Praia de Esmoriz e de duas companhas da Praia de Mira durante o mês de Agosto de 1997. (In Henrique Souto – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico) 

“Ligações familiaress” de um arrais de xávega da Praia de Esmoriz – informação recolhida em 1997. (In Henrique Souto – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico) 

A comercialização 

Em todas as actividades produtivas o processo de comercialização do produto é sempre determinante para o sucesso ou não da actividade. Na pesca da xávega, o pescado é comercializado pelo tradicional processo de venda em leilão, mas com algumas diferenças de praia para praia. Actualmente distinguem-se duas situações: praias “sem posto de vantagens” e praias onde existem os referidos “postos”. No primeiro caso incluem-se todas as comunidades entre a Praia de Vieira e a Praia da Tocha e ainda Espinho; já no segundo caso integram-se as comunidades entre a Praia de Mira e a Praia de Esmoriz”43. 

Nas comunidades a sul da Praia de Mira a venda do peixe faz-se ainda na praia por processos tradicionais: o pescado é separado por montes e vendido ali mesmo, geralmente as peixeiras tradicionais que o revendem na própria localidade ou nas aldeias próximas. Nos meses de maior afluência de banhistas, o consumo é efectuado maioritariamente por estes. 

A Norte da Praia de Mira, incluindo esta, todas as praias têm um “posto de vendagem” no local ou próximo de onde pescam. Estes postos só foram implementados a partir de 1996 e são constituídos por pequenas construções de madeira, em cujo exterior se procede á venda do pescado ou por edifícios em alvenaria com espaço interior para vendagem. O funcionamento destas estruturas é garantido por um comissionista44, responsável do posto e pelo cumprimento das normas legais associadas à primeira venda de peixe. 

O papel deste elemento termina aqui pois a venda é feita pelos leiloeiros de cada companha nos moldes tradicionais, ou seja, por leilão. Pode decorrer em lances decrescentes como crescente, dependendo do número de compradores. Nas comunidades onde existe mais quantidade de pescado devido ao maior número de companhas a trabalhar, o movimento nos postos de vendagem é, nos melhores dias, considerável e atrai um grande número de compradores. 

Por exemplo, o posto da Praia de Mira, o mais concorrido de todos, acorrem, em média, mais de 30 compradores considerados “grandes”. Além destes, também ali compram inúmeras peixeiras locais, sobretudo que revendem nas proximidades, sendo também possível a presença de representantes locais de grandes empresas. 

Todavia, grande número de compradores não significa melhores vendas já que os grandes compradores, pelo seu maior poder de compra e venda, arrebatam entre eles o essencial do peixe em lota e dada a sua capacidade de distribuição, não “saturam”. São compras destinadas à indústria conserveira (cavala) ou a consumo em fresco (carapau)”45. Por seu lado, o pequeno comerciante que se contentaria com a compra de um ou dois cabazes de carapau, para o que eventualmente estaria disposto a pagar mais por quilo, fica excluído já que não tem interesse em comprar de uma só vez 300 quilos não tendo capacidade para o conservar. Ou seja, o pequeno comerciante só compra o que os maiores não querem comprar. 

43  SOUTO, Henrique – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico. Lisboa, 1998. P. 164. 
44 Percebe 1% das vendas efectuadas e de uma forma geral é natural da localidade onde está implantado o posto e também pescador – neste caso não pescando simultaneamente – ou mesmo sócio de uma companha. 
45 IDEM – ibidem – pág. 165. 

Venda de peixe na Praia de Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

Postos de vendagem e armazenagem na Praia de Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

Palheiros de Mira – dimensão envolvente e dinâmica 

As construções de madeira no Litoral 

Estes aglomerados populacionais formaram-se inicialmente com pescadores, sendo que darei mais ênfase aos Palheiros de Mira, uma vez que os mesmos, bem como a sua área envolvente são alvo de estudo – teórico e prático – para a realização deste mesmo trabalho. Obviamente que para além destes existem outros aglomerados, dos quais são exemplo: Praia da Vagueira, Palheiros da Tocha, Palheiros de Quiaios, Costa de Lavos, Praia de Vieira. Em todos estes lugares era a barraca de madeira, até há relativamente poucos anos, a única casa utilizada. O material usado na cobertura era, geralmente, o estormo ou estorno, gramínea que se encontra em abundância nas areias do litoral. Em áreas desprovidas de agricultura não seria fácil obter o colmo dos cereais, sendo que daqui provem o nome de palheiros. Rocha Peixoto46 em 1898 aponta como lugares de predominância de casas de madeira, neste litoral, Cortegaça, Furadouro, Torreira, São Jacinto e Tocha; afirmando ainda que no litoral estremenho e algarvio numerosas povoações de pescadores eram formadas quase só por casa de madeira. De facto, actualmente, no Algarve e na Estremadura são hoje raras estas construções e desapareceram sem deixar vestígios em praias importantes como Ericeira, Pedrógão, São Pedro de Muel.

Ainda em 1823 ou 1824 o rei se hospedou, na Costa da Caparica, na única casa de cantaria existente47. “Há cinquenta anos este aspecto mantinha-se; a única casa mista de cantaria e madeira era uma taberna, pertencente a uma família que ainda explora uma casa de comes e bebes”48. É mais uma prova do progresso rápido dos lugares de banho de mar que, segundo J. Leite de Vasconcelos, “não começaria além do século XIX, ou datará do primeiro quartel do mesmo”49. Os palheiros subsistiram mais tempo na Fonte da Telha, “lugarejo de pescadores à beira-mar, quase totalmente formado por estas primitivas edificações”50 ainda em 1934, apesar de estar apenas 9km a sul da Costa da Caparica. 

No Algarve, o melhor exemplo deste tipo de povoações é o arraial da ilha da Culatra, no cabo de Santa Maria, onde se dispõem quase sem ordem poucas dezenas de casinhas de tábuas, justapostas verticalmente, assentes na areia e cobertas de estormo – barrão 51. 

46 PEIXOTO, Rocha – Palheiros do Litoral. In Portugália, vol. I. P. 79-96. 
47 LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. II, p. 98. 
48 BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 23. 
49 Etnografia Portuguesa, vol. II, Lisboa, p. 562. 
50 RIBEIRO, Orlando – A Arrábida. Esboço Geográfico. Lisboa, 1935, p. 83. 
51 Ultimamente foi proibida a apanha desta gramínea, razão pela qual algumas casas já estão total ou parcialmente cobertas de telha. 
52 É ainda Rocha Peixoto que conta ser usual destelharem os palheiros para mais facilmente os transportarem, sobre toros, para fora do ímpeto das marés vivas. 
53 Até 1959 todas as casas eram de madeira, excepto o posto da Guarda Fiscal. Neste ano constituíram-se quatro de cimento, logo à entrada da povoação; e, noutras, de madeira, a escadinha exterior já foi também substituída por outra de cimento. 
54 BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 23. 
55 VASCONCELLOS, José Leite de – História do Museu Etnológico Português (1893-1914). Lisboa, 1915. P. 57. 

Palheiro em que o espaço entre as estacas foi aproveitado para guarda de produtos (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

As casas de gente abastada são sempre pintadas de cor escura, com as ripas brancas (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Palheiro de Mira, com forno ressaltado no primeiro andar (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Palheiro de Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

Palheiro de Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

Lugares que contribuíram para a formação e desenvolvimento dos aglomerados (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Origem e evolução da povoação 

Até ao começo do século XIX, os areais da beira-mar, cobertos de vegetação rala, permaneceram despovoados. Com o incremento demográfico, característico deste século, elementos da população vindos de vários lugares do interior adaptaram-se a este ambiente, inóspito pelas condições naturais, a que a pesca uma ou outra vez os havido atraído. Raras vezes como aqui é possível seguir a evolução de um lugar habitado desde a chegada dos seus primeiros povoadores”56 

As Memórias Paroquiais do tempo do Marquês de Pombal, de 177457, ainda não se referem à existência de qualquer povoação fixa neste local. Aí se encontra uma relação circunstanciada dos vinte e um lugares que formavam a vila de Mira e seu termo, num total de 679 vizinhos e 2170 pessoas. No entanto, “não há a menor referência a Palheiros de Mira, como lugar de habitação. Mas já aí se diz que a lagoa cria “muito lodo e… moliço de que utilizavam os lavradores… para a cultura de suas terras”. E que ela serve também para caça e pesca”58. 

A notícia mais antiga de Palheiros de Mira encontra-se no volume III da Corografia Moderna do Reino de Portugal, de João Maria Baptista de 1875, que ao referir-se à vila de Mira, diz que está distante 6km do oceano e tem estrada para “palheiros de Mira, na praia do Mar”, lugar cujos habitantes são “quase todos pescadores”. 

Nas primeiras décadas do século XIX começa a praia a ser frequentada temporariamente por pescadores que para aí se deslocam desde o fim da Primavera até meados de Outono, época em que o mar, mais calmo, permite o lançamento de barcos de redes nesta costa desabrigada. Uns anos por outros, quando o bom tempo persistia, a estadia podia prolongar-se um pouco, embora a população continuasse flutuante. 1835 marca o início de nascimentos na Costa do Mar que durante os primeiros onze anos, apenas esporadicamente não ocorrem de Maio a Outubro: 4 num total de 26”59. 

Entre 1845 e 1859 há um período “morto”: apenas se fazem dois registos de nascimentos e as certidões de óbito, entre 1846 e 1856, nem uma só vez registam tal ocorrência em Palheiros de Mira. Este hiato provavelmente equivalerá a falta de peixe, mau tempo, naufrágios que teriam, ocasionalmente afastado os pescadores destas paragens. Os registos parecem mostrar que a população de Palheiros de Mira seria, por vezes, pouco inferior à de qualquer outro lugarejo. Parece poder deduzir-se também que, a partir de 1872, a população já estaria “fixada”, pois o número de nascimentos, além de muito maior que nos primeiros anos de registo, já não indica grandes oscilações anuais e eles ocorrem em qualquer mês do ano. 

Aglomerado de palheiros (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

56 BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 23. 
57 Torre do Tombo, vol. XXIII, p. 973 a 990. 
58 BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 23. 
59 IDEM – ibidem – p. 32-33.
60 IDEM – ibidem – p. 36. 

Palheiros de Mira parece ser, por volta de 1860-70, uma povoação fixada sem dúvida com pequeno número de famílias, que se dedicavam principalmente à faina da pesca, embora já preocupadas com a cultura dos campos: pescadores e seareiros – como se lê nos registos. A pesca era exercida pelos homens se bem que as mulheres os ajudassem activamente e houvesse mesmo algumas “pescadoras”. Já o trabalho de campo era feito por mulheres, embora também alguns homens se dediquem. Por esta altura a vida em Palheiros de Mira aparece completamente organizada, de tal modo que já aí residiam também empregados da fiscalização do pescado e negociantes. 

Qual a origem desta população? A resposta vai procurar-se ainda nos registos paroquiais. Durante o período do desenvolvimento da Costa do Mar, entre 1835-1870, Ílhavo vem à cabeça dos lugares que contribuíram para a formação do novo povoado: daqui são provenientes 45 de 150 progenitores; seguindo-se Mira com 21 para 100. Assim, a princípio, a população piscatório de Palheiros de Mira vinha apenas aqui passar a época de pesca e que, seguramente, pelo menos a partir de 1872, estava já fixada”60. 

O “Livros de juramento de louvados para efeito da décima” apresenta elementos relativos ao inicio da fixação da população em Palheiros de Mira: confirmam as deduções anteriores a precisar de uma data que, só por aqueles outros registos não seria

possível determinar. Parece possível indicar-se o ano de 1860 para o começo da fixação da população em Palheiros de Mira, com gente de arredores. Este processo continuou até aos nossos dias. 

O primeiro censo da população em que aparece a praia data de 1911: 50 anos depois da fixação dos primeiros habitantes, 174 fogos e 718 habitantes, sendo que o maior desenvolvimento revela-se no segundo quartel deste século. O censo de 1940 indica 318 fogos e 989 habitantes. 

Palheiros de Mira é bem o tipo de um lugar de origem recente, formado à custa de populações das proximidades, atraídas pelo seu desenvolvimento. O rápido crescimento da população num horizonte de trabalho limitado, cedo conduziu, por sua vez, à emigração estacional ou, por temporadas menos largas, para o Brasil”61. 
61 IDEM

Lugares que contribuíram para o aumento da população de Mira entre 1835 e 1870, sendo que os círculos são proporcionais ao número de povoadores (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Lugares que contribuíram para o amento da população de Mira entre 1870 e 1875 (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Fisionomia da povoação 

As dunas e a lagoa condicionam a estrutura da povoação: as casas apertam-se de encontro às outras formando estreitas vielas arenosas que descem flancos leste e sul das dunas e acabam por desembocar nas estradas referidas – a de Mira e a florestal. Nos campos da povoação encontram-se casas esparsas: nos prazos novos – os do norte – são sempre curraizinhos para o gado; nos prazos velhos – os do sul -, além daqueles há também casas de habitação. 

A maior originalidade deste aglomerado é a sua arquitectura de madeira que, sem ser exclusiva nesta região completamente desprovida de pedra e com abundância de pinhais, adquire aqui a sua expressão mais pura: as casas chegam a atingir dois e mesmo três andares, possuem dimensões não encontradas noutras praias e formavam a quase totalidade da povoação até há bem pouco tempo; a própria igrejinha, isolada em plena praia ao cimo da estrada de Mira, também é de madeira. O acesso à casa é feito, na maior parte das vezes, por escadas exteriores de madeira; para os andares superiores comunica-se sempre por estreita e íngreme escada interior. Até há pouco tempo até as chaminés eram de madeira: arrancavam a partir de 1,5 a 2 metros do solo, cobertas com folha de zinco, formando ressalto na fachada e acompanhando-a até um pouco acima da cobertura. Só os fogos frequentes motivaram a sua demolição e a construção de chaminés vulgares de zinco ou blocos de cimento”62. 

Se hoje as casas mais ricas têm vidros nas janelas, ainda nas mais pobres se podem ver apenas portadas de madeira, como outrora era usual. Os telhados são sempre de telha portuguesa, de canudo; já hoje não resta nenhuma cobertura de madeira, que era de uso geral ainda há cerca de 50 anos; e das coberturas de estormo com que os primeiros abrigos de pescadores sem dúvida se devem ter protegido, não resta hoje outra memória além do nome dado às construções, o qual originou, por outro lado, uma das designações da povoação: Palheiros. 

Primitivamente as casas assentavam em estacaria, para não oferecerem obstáculo ao caminho das areias, evitando que estas se acumulassem junto delas. Depois, gradualmente, o espaço entre cada uma das estacas foi-se cobrindo com pranchas de madeira; originou-se assim a casa actual, que desce até ao solo, com o rés-do-chão destinado a arrecadação de utensílios de lavoura e de pesca e à guarda de produtos alimentares que, anteriormente, se deixavam numa dependência do andar, obrigada a desocupar pelo aumento da família. 

As casas mais pobres são construídas com tábuas sobrepostas horizontalmente, raras vezes pintadas; as mais abastadas são, quase sempre, pintadas; além disso, ainda por vezes o modo de construção é mais requintado: as tábuas são dispostas verticalmente encostadas umas às outras, com as juntas tapadas com ripas, para dar melhor protecção contra o vento e a chuva. Aquelas são sempre pintadas de cor escura e as ripas são sempre brancas. 

Dois tipos de abegoaria: a de cima, de andar; a de baixo, de rés-do-chão 

Tipos de plantas de casas de palheiros de Mira. A de baixo, à direita, é uma casa moderna, de cimento; esta planta contrasta com as outras pela ordem das divisões (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Palheiros de Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

A casa primitiva era pequena, rectangular, assentada em estacaria, apenas com uma porta central ou com uma ou duas pequenas janelas. A planta mais simples compreendia uma só divisão, simultaneamente cozinha e quarto de dormir. Quase todas as casas tinham forno de tijolo, onde se cozia uma vez por semana pão de milho que, com as couves, constituía a base da alimentação. O forno assentava numa base de madeira, saliente do primeiro andar. Hoje ainda existem alguns usados para arrecadação. 

Exemplos destas casas elementares são também visíveis em Palheiros de Mira. A partir da planta mais simples, outras se estabeleceram, sucessivamente, mais complexas. A casa rectangular, de dependências alinhadas umas a seguir às outras, é apenas uma consequência do aumento da família na casa de uma só divisão. Podiam ampliar as casas ligando duas ou mais casas ao lado umas das outras por meio de portas ou por passadiços suspensos entre as ruelas. Muitas casas têm pequenos quintais onde as mulheres plantam batatas, cebolas, alhos e couves. Na ausência destes, há sempre um pátio, modelo de sujidade e desalinho onde as galinhas estão. As divisões em si, são limpas e com algum arranjo. O mobiliário é reduzido: mesas, alguns bancos ou cadeiras, arcas para guardar a roupa; camas de ferro ou de madeira, com enxergas; nas habitações mais pobres, às vezes apenas esteiras. Só as casas abastadas ostentam mobílias completas de quadro e sala de jantar. 

A construção de madeira fica hoje muito cara e requer constantes consertos, principalmente nas casas que não são pintadas. Por isso e por um absurdo sentimento de vergonha, começam as construções de cimento a quebrar uma unidade arquitectónica tão atraente e invulgar, que a insipidez da construção moderna está a ponto de fazer desaparecer. Em 1948, das 417 construções existentes nem 30 eram de alvenaria 63; até 1956 o seu número não era suficiente para quebrar a uniformidade do conjunto.

63 Relatório que acompanha o anteprojecto da urbanização da Praia de Mira. 

A população 

A pesca é a ocupação fundamental: exercem-na dois terços dos chefes de família, embora apenas uma minoria viva exclusivamente dela; as restantes vivem também de um pedaço de terra. Como a maioria dos homens está fora de casa grande parte do ano, são as mulheres que se ocupam da agricultura. É uma população de baixo nível de vida, avaliando tanto pelo vestuário como pelo desconforto e pela má e insuficiente alimentação. Os homens vestem-se com a típica flanela de xadrez dos pescadores, bem limpa e cosida. As mulheres e as raparigas, de saia negra muito rodada e blusa de uma qualquer cor, de lenço negro na cabeça. 

A alimentação mostra as dificuldades de vida que estas famílias passavam. Muitas comiam de garfo apenas uma vez por dia aproveitando as horas tradicionais para se alimentarem de café e pão seco. As refeições padrão são: às 8 da manha, café e broa; pelo meio-dia, caldo de couves, temperado com um naco de toucinho e engrossado com feijão ou arroz e no prato miolo de broa; pelas 5-6 horas, merendam os restos do almoço; às 8-9 horas, a ceia: batatas cozidas ou assadas na areia previamente aquecida com brasas, um pouco de peixe, se o houver. Por outro lado, com o passar dos tempos, alguns pescadores passam a ir à pesca do bacalhau e o nível geral da população certamente melhorou. 

Vestuário do homem e mulher (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

A pesca e os pescadores 

A povoação começou por um arraial de pescadores de Ílhavo de praias das imediações, a que logo se juntaram seareiros e comerciantes, também das proximidades. Estavam desde logo lançadas as bases económicas da nova povoação: pesca e agricultura. A fertilização das areias foi possível, utilizando o moliço da lagoa, caranguejos e desperdícios de peixe”64. Já então havia o exemplo do aproveitamento das areias das Gafanhas, inciado no terceiro quartel do século XVIII65. 

A partir de 1920-21 a pesca começou a decair e os pescadores a terem necessidade de procurar trabalho nas traineiras, equipadas com boas redes de cerco e na faina longínqua e arriscada do bacalhau; algumas vezes marcados por doenças, de que o reumatismo e os males da circulação são os mais frequentes, mas a que devem a compra da casa, de um pedaço de terra. 

Estes dois tipos de pesca, mais rendosa, embora obriguem os pescadores a estarem afastados das suas famílias trazendo, no entanto, melhorias na qualidade de vida”66. Por outro lado, a organização da pesca das companhas é complexa e original. Como as redes e barcos são muito caros – cada rede custa à volta de 400 euros e cada barco 125 -, é costume organizarem-se sociedades. Sendo que o número de sócios varia entre 3 a 10, ocupando-se mais das tarefas de organização e administração, do que da pesca. 

A tripulação do barco é formada por 40 homens permanentes aos remos, 4 substitutos, um calador (…) auxiliado por 2 ajudantes e o arrais. O pessoal de terra tem também as atribuições bem definidas: os arrais e o seu ajudante; 6 redeiros, encarregados de verificar diariamente o estado das redes e de as consertar; 4 rapazes para as porem a secar; 4 colhedoras, geralmente mulheres, que guardam e enrolam a corda à medida que sai do mar; 10 raparigas para transportarem a corda para junto dos barcos; 2 atadores de chicote (…); 2 rapazes para a limpeza do barco; um vendedor, um escrivão, um mestre carpinteiro (para pequenos consertos) e um encarregado de angariar os bois”67. 

Cada empresa de pesca possui armazéns onde guarda as redes, casa de fornalha para as tingir com casca de carvalho ou de salgueiro e abegoarias onde se recolhe o gado durante os três ou quatro dias que permanece no lugar para alar as redes. 

Cada companha trabalha com onze juntas: dez em serviço permanente e uma para descanso. O gado é sempre acompanhado por guardadores, que dormem nas mesmas cabanas dos animais, em cima da erva, enrolados num cobertor. Umas vezes estão separados do gado por tabique de madeira, com um postigo para o guardador vigiar os animais, outras vezes ficam numa espécie de falso andar, de ripas assentes em traves grossas”68 

Cada barco é lançado à água e retirado de lá por duas juntas que puxam os cabos presos às argolas da proa ou da ré do barco; este desliza sobre rolos de pinho colocados no sentido de largura que, por sua vez, rolam sobre uma dezena de vigas compridas e flexíveis, de eucalipto, dispostas longitudinalmente”69. 

Sr. Xico a remendar uma rede – Praia de Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

As redes a serem puxadas pelos bois (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

A arte é puxada por dez juntas de bois. Quando o barco sai, fica logo um cabo preso na praia; o outro é trazido pelo barco, no regresso. À medida que o barco se afasta o calador vai dando corda durante uns três ou quatro km. Só aí é que se começa a lançar a rede, com o barco a descrever um semi-círculo. Logo que a rede cai no mar, principiam as juntas a puxar pelo cabo que ficara na praia e, quando o barco chega, pelo outro. A princípio os cabos ficam muito afastados um do outro; à medida que a rede vem vindo para a praia, as juntas que puxam um dos cabos vão-se aproximando até chegar o cerco. “O andar dos bois e o trabalho dos atadores de chicote começa num ritmo lento mais vai acelerando enquanto as mangas se aproximam da praia e atinge o máximo de rapidez e vivacidade com a chegada do saco. Os bois correm para baixo e para cima, puxados pelos guardadores e incitados pelos seus gritos e pelas repetidas ferroadas dos aguilhões. Enquanto isto decorre, as raparigas enrolam prontamente as cordas, dão água a beber aos homens da companha, vão conversando com uns e com outros”70. 

Quando se levanta vento e as vagas fortes varrem a costa, a tarefa de alar as redes torna-se mais movimentada ainda: o mar puxa pelas artes. Logo que o saco chega a terra é aberto, cortando-se com um canivete a ligação longitudinal feita diariamente pelos redeiros, ao preparar as redes para o mar, e o peixe é retirado para cabazes. Procede-se de seguida à lota, para a qual vêm muitos compradores de fora, nas suas caminhetas. Esta azáfama pode prolongar-se desde as primeiras horas da manha até ao entardecer e só o mau tempo os faz parar. 

Antes de 1926, como não havia estrada que ligasse a praia com o interior, o peixe era transportado em “comboios” de carros de bois por pistas na areia, até Cantanhede, de onde seguia, em geral, por caminho-de-ferro, para o interior. Por vezes também se verificava o movimento de galeras de muares que levavam o peixe para Coimbra, havendo pessoas que só se dedicavam a este trabalho. Com a abertura da estrada, em 1929, começaram as caminhetas a vir buscar o peixe, cessando o transporte com animais”71.

O pessoal do mar é o mais bem pago, no entanto, além do ordenado, cada pescador tem meio litro de vinho para a faina e retira sempre um quinhão de peixe para casa; cada boieiro também fica com um quinhão de peixe. Porém, nos dias em que o mar não permite a saída de barcos, os pescadores têm de estar librés para fazerem qualquer serviço relacionado com a pesca, se isso lhes for ordenado: içar o barco para terra, lavá-lo e fazer-lhe pequenos remendos, ou ainda levantar e guardar redes. 

Nas horas vagas da pesca do mar os pescadores e os mais novos encontram ainda nas águas da lagoa um suplemento de trabalho e dinheiro, pescando com chinchas – miniatura da rede do mar – e pimpoeiras – rede de dimensões da anterior – os muges e barbos. As mulheres nunca trabalham na pesca, excepto no que respeita aos pequenos serviços auxiliares. Todavia, a elas lhes compete toda a lida da casa e cuidar dos filhos, bem como o trabalho do campo. 

No Inverno vão em ranchos para o Vale do Sado fazer trabalhos de enxada nos arrozais. Cada rancho era formado por um capataz, um padeiro, um rapaz para lhe carregar a lenha, dois rapazes para a coçaria, ou seja, para manterem o lume aceso, dois rapazes para carregar a água para a comida e um homem para dar água à terra. Partem de meados de Novembro até princípios de Janeiro e regressam no final de Maio. Enquanto os pescadores estão nesta faina dormem nas casas dos donos da terra e comem por conta própria. Trabalham do nascer ao por do sol, com apenas dois intervalos. 

64BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 59. 
65 Pe. João Vieira Rezende: Monografia da Gafanha. Coimbra 1944, p. 20-21. 
66 IDEM – ibidem – p. 61. 

67 IDEM – ibidem – p. 62-63.
68 IDEM – ibidem – p. 63-64.
69 IDEM – ibidem – p. 66-67. 
70 IDEM – ibidem – p. 67-68.
71 IDEM – ibidem – p. 69.

Vida rural 

Os habitantes dos Palheiros de Mira dão o nome de prazos aos seus terrenos de cultura. Estes eram baldios que começaram a ser aforados; o primeiro documento de aforamento é de 188472. São os prazos velhos e a sua área fica a Sul da estrada de Mira e forma uma língua que entra pelo Barrinha. O baldio foi dividido em tiras de 10 metros de largo por cerca de 300 ao comprido, limite natural do mouchão com as águas da lagoa. Os prazos novos situam-se a norte daquela estrada; estendem-se no sentido leste-oeste, a partir do carreiro cosido com o braço da lagoa que segue para norte até ao pinhal de Videira. São sulcados por valas de drenagem para o enxugo das terras. Este solo de areias, pobre por natureza, acaba por ser enriquecido pela estrumação abundante que se proporciona a todas as culturas. Os prazos velhos são considerados mais produtivos. Nos novos a terra é mais fraca, por isso os talhões são maiores: 16 metros de largura73 x 400 metros de comprimento. 

A forma estirada e regular destes terrenos provém da maior facilidade e uma divisão geométrica e suficientemente recente para ainda manter a forma do talhamento inicial. Por outro lado, a sua configuração, sempre perpendicular aos caminhos, é a que traduz maior comodidade de acesso. Os campos alongados dominam em toda a área da Ria e encontram nos fundos planos e nas terras baixas condições favoráveis ao desenvolvimento e à conservação deste tipo de cadastro. Ao longo do tempo, os prazos foram-se dividindo e as divisões continuaram a fazer-se longitudinalmente. Contudo, Palheiros de Mira, apesar do número elevado de prédios rústicos por km2, sendo que a área das propriedades está muito desigualmente repartida. Considera-se que uma propriedade rústica deverá ter a área mínima de 5000m2, sendo que também esta está bastante dividida e muito parcelada. 

Prazos Velhos onde é visível o alongamento dos campos (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Fig. 32 – Campo de cultivo junto a um palheiro – Mira (Fotografia – Maria João Marques) 

Os Inquéritos da Junta de Colonização Interna têm como objectivo principal a possibilidade do aumento das propriedades mais pequenas, para a tal área mínima de 5000m2 e a constituição de unidades agrárias maiores, variando proporcionalmente ao número de pessoas da família. Isto levou à instalação de casais agrícolas com suas moradias dentro da área de exploração. As famílias que fossem desalojadas das suas actuais terras veriam compensada a transferência tanto pela proximidade da casa em relação ao terreno como também pelo aumento da área do mesmo. Porém, este plano não prosseguiu por razoes de ordem técnica e sentimental. Ainda que pudessem trazer vantagens, as famílias tinham certa relutância em aceitar a intervenção do Estado. Havia o receio de a nova terra não ser produtiva e por outro deixarem a estranhos uma leira que vinha de gerações anteriores. 

Dadas as circunstâncias da situação, “as famílias são obrigadas a arrendar partes de terra a quem pode dispor dela”74. O arrendamento faz-se no dia 1 de Novembro de cada ano e o pagamento dos prazos tanto pode ser feito em milho como no seu equivalente em dinheiro. 

De facto, a produção é quase contínua: em Janeiro cava-se, aduba-se e planta-se batata que fica na terra até Abril; ainda a batata não foi apanhada, já se semeia milho, que é colhido em Agosto-Setembro. Neste período, colocam-se couves que foram semeadas em caixotes deixados nos pátios das casas; uma vez colhidos estes produtos, a terra é novamente cavada, adubada e semeada de pasto para o gado ou de batata. 

A produtividade da terra varia com o grau de humificação e com a humidade. A primeira depende da quantidade de matéria orgânica já incorporada nas areias, variando com o tempo de aproveitamento das terras, já a segunda depende essencialmente da profundidade do nível aquífero, sempre alto pela posição e pela altitude das terras. Isto significa que fazendas próximas possam ter um rendimento muito variado. “O processo de rega mais frequente consiste em fazer pequenos açudes nas valas que sulcam os prazos. A açudagem é feita com gramata, planta de sítios marginais de águas salobras, outras ervas, montões de terra, etc”75. 

Através deste processo é possível elevar o nível da água que humedece a terra. As outras culturas são sujeitas a regra de espargimento, com água tirada ainda das valas. Umas vezes utilizam-se latas velhas na extremidade de uma vara, outras apenas cântaros de barro. A rega superficial é apenas uma pequena ajuda, pois os produtos são regados apenas uma ou duas vezes durante o Verão. 

Com a perspectiva de aumentar o rendimento das terras mais de metade das famílias que semeiam criam também algumas cabeças de gado, sendo que neste sentido existe o rol que consiste no seguinte: reúnem-se uns quantos agricultores que escolhem entre si um escrivão, um caixa e dois louvados; cada componente dá a entrada de 5 escudos: quando lhes morre o animal, os louvados avaliam o prejuízo e esse dinheiro é pago igualmente por todos os inscritos. Em Palheiros de Mira não há esta forma de ajuda mútua, embora haja gado que justificasse um ou mesmo dois e as pessoas vêm nisto tal vantagem que quase toda a gente pobre está inscrita nos róis de Lagoa e Portomar, as povoações mais próximas. A existência do rol comum a todas as regiões de baixo nível de vida e grande criação de gado grosso. 

72 Dados fornecidos pelos Eng.-Agr. J. Vaz Pereira e A. Da Silva Poço, da Junta de Colonização Interna, que trabalharam na região, com vista a um eventual emparcelamento da propriedade.
73 Dois prazos têm 15m de largura, possivelmente para compensar um pouco mais de comprimento, este varia ligeiramente com os limites do antigo baldio. 
74BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 80. 
75 IDEM – ibidem – p. 82-83. 

O plano de urbanização: destino do aglomerado 

Em 1948 os Serviços de Urbanização realizaram um inquérito em Palheiros de Mira e estabeleceram as bases do seu plano de urbanização. Este aglomerado de pescadores foi tido como não obedecendo aos preceitos higiénicos modernos”76. Também a agricultura não basta às necessidades da população e que a pesca é exercida por meio de “processos primitivos e pouco rendosos”. Por outro lado, o lugar oferece, com as suas construções em madeira, um aspecto de extrema humildade, agravado pela superlotação das casas. Com estas bases foi elaborado um plano de urbanização que prevê que se evite que o desenvolvimento das actividades de uns pescadores possa interferir de forma negativa com as dos turistas. Neste sentido, deve assegurar-se a possibilidade de instalações de interesse geral, particularmente para o turismo; que se torne realizável a substituição progressiva das habitações, tanto quanto possível nos terrenos onde existem. 

Entretanto, por intermédio da Câmara Municipal de Mira, promoveu-se a ruína da povoação, proibindo, a partir de 1953, que se fizessem nas casas de madeira os consertos indispensáveis à sua conservação. Estas medidas têm como objectivo incrementar o turismo e transformar uma povoação viva no decurso do ano, com a sua dupla actividade de pesca e agricultura, num centro mais ao menos elegante. 

A pitoresca aglomeração de pescadores que ainda é hoje Palheiros de Mira desaparecerá brevemente”77. Destrói-se um elemento de arquitectura tradicional que, pela sua originalidade e singela elegância, merecia ser preservado. Palheiros de Mira eram, por assim dizer, a jóia deste tipo de construção. 

Por outro lado, parece que “os Serviços de Urbanização deveriam olhar pela conservação da arquitectura popular e não contribuir, pelo contrário, para a sua destruição e substituição por um estilo banal e incaracterístico”78. 

76 BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960. P. 91. 
77 IDEM – ibidem – p. 94. 
78 IDEM – ibidem – p. 97. 

Conseguirá a arte xávega sobreviver? 

De facto, esta arte tem os dias contados. Tecnologicamente ultrapassada, tem resistido graças à vontade de alguns armadores que a mantêm viva e de reformados que vão fornecendo a mão-de-obra, em muitas praias essencial para a sua manutenção. A introdução da motorização apenas reduziu o esforço humano necessário e facilitou as tarefas; por outro aumentou o seu custo, pois o essencial das despesas vai para combustível. No entanto, o subsídio não resolverá os problemas de fundo. Para além disto existe todo um conjunto de factores de indicadores que não perspectivam um bom futuro para esta arte, pois: 

Uma evidente menor ocorrência de peixe na área de actuação destas artes, sendo hoje frequentemente de indivíduos subdimensionados; 

Cada vez menor número de pescadores no que é uma tendência geral no país e em todas as artes, sendo já difícil recrutar pessoal para diversos tipos de pesca em várias regiões do país; como a xávega é pouco remuneradora, acrescem estes problemas de recrutamento, sendo já evidente que os mais aptos optam por outro tipo de pesca ou abandonam pura e simplesmente, a actividade indo trabalhar ou para a construção civil ou também para o estrangeiro; 

Evidentes alterações no clima destabilizam e desregulam os calendários habituais de pesca, tem ocorrido nos últimos anos com situações cada vez mais comuns de “mau tempo” durante o Verão, impossibilitando o trabalho, enquanto em pleno Inverno o mar representa incrivelmente um aspecto calmo e sereno; 

Evidentes alterações na linha de costa, com o recuo das praias em toda a área de actuação das xávegas, tornando mais difícil toda a entrada das embarcações no mar, o que torna actualmente há localidades que se transformaram em autenticas fortalezas defendidas por esporões e enrocamentos; 

Simultaneamente, e apesar do que se disse no ponto anterior, a ocupação do espaço costeiro continua a fazer-se em situação de risco e à custa de mata e de dunas, prolificando novas actividades relacionadas com o veraneio balnear, infelizmente não geradoras, na maioria dos casos, de empregos alternativos para os pescadores. 

De facto, para algumas comunidades da xávega a situação social é já hoje preocupante. Para isto contribui também a baixa escolaridade de muitos dos seus membros, “para além do trabalho precário na construção civil, para não falar da absoluta falta de ocupação para as mulheres”79. O mais lamentável é saber que nada se tem feito para tentar melhorar esta situação, a não ser continuar a penaliza-los, impedindo-os de comercializar espécies subdimensionadas de consumo tradicional, quando se sabe que todos os dias os arrastões apanham toneladas de juvenis das mais variadas espécies ao longo da costa impedindo-os de utilizar artes tradicionais apesar de serem selectivas. Todos estes factores levarão à concentração das embarcações existentes em duas áreas, levando posteriormente ao seu abandono, à medida que os pescadores mais velhos deixarem a actividade. 

79 SOUTO, Henrique – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico. Lisboa, 1998. P. 172. 

Estratégias de sobrevivência 

Uma vez que os pescadores dependem da sazonalidade da actividade, só sendo possível inverter esta situação se o pescador possuir outra fonte de rendimentos ou viver à custa do fiado. Para a maioria, “a estratégia passa pela diversificação das actividades, muitas vezes à custa de comportamentos “oportunistas”, no sentido em que é necessário aproveitar as possibilidades que no momento aparecem”80. Antes da mecanização na agricultura, as migrações internas foram parte importante destas estratégias, pois dava-se a deslocação de homens e mulheres principalmente para o rio Sado onde se integravam nos trabalhos sazonais da agricultura ou mesmo na salinicultura. Isto ajuda-nos a compreender que de facto regiões onde arte xávega seja praticada, dela façam parte sobretudo reformados ou pessoas a tempo parcial, da qual obviamente o exemplo da Praia de Mira faz parte. 

Por outro lado, há praias onde não existe actividade fora da pesca, sendo que nelas se podem desenvolver as majoeiras – “redes de tresmalho caladas na baixa-mar nas areias da praia e verificadas na baixa-mar seguinte, precisamente na zona frequentada pelo robalo, para o qual a rede é dirigida”81. São de “utilização generalizada entre a Leirosa e Espinho, não só por pescadores da xávega mas também por quem trabalha em traineiras”82. 

Por outro lado, também se usam as branqueiras, “igualmente tresmalhos, fundeadas perpendicularmente à praia e caladas por uma pequena embarcação”83; são dirigidas ao carapau, fundeadas ficando com um cabo em terra para onde são aladas sem necessidade de “ir ao mar”. Ao contrário das majoeiras, as branqueiras são, por vezes, pertença das sociedades de xávega e interessam a toda a companha. 

As majoeiras são sem dúvida, as mais importantes do ponto de vista social, pois a sua utilização não requer o uso de uma embarcação sendo, então, acessível a todos os pescadores. De acordo com Pedrosa, as redes deste tipo são utilizadas em toda a costa portuguesa desde a primeira dinastia e “constituíam a arte quase exclusiva das praias desabrigadas antes da chegada das grandes redes de arrasto”. Por seu lado, Baldaque da Silva chama-lhe engenhosa. 

As majoeiras têm 10 metros de comprimento por dois de altura e um miúdo de 110mm, possuem na tralha superior um conjunto de flutuadores em forma de barquinhas e na tralha inferior chumbadas em igual número das barquinhas. Para serem colocadas na areia estão providas de duas estacas de madeira, uma em cada extremidade, estacas essas que são enterradas com o recurso de dois instrumentos: o repuxo e o maço. “O repuxo é uma vara que possui num dos extremos uma cavidade onde entra o topo da estaca; o maço serve para bater do repuxo de forma que este penetre o mais fundo possível na areia, após o que é retirado”84. 

Estas redes empregam-se na pesca do robalo, sendo que de um modo geral cada pescador fundeia várias destas redes paralelamente umas às outras e embora sejam pertença dos pescadores a título individual é frequente entreajudam-se uns aos outros, até porque se trata de uma actividade dura que decorre no Outono e Inverno e obriga o pescador a entrar muitas vezes na água até à cintura. Por outro lado, é preciso considerar que estas redes se tornam impraticáveis em situações de grande agitação marítima. 

A proibição que recai sobre o uso destas redes é bem um exemplo de uma medida regulamentar da pesca totalmente injusta, não fundamentada e arbitrária que tem vindo a provocar em diversas comunidades situações de injustiça gritantes”85. 

Efectivamente, o que acontece é que esta arte carece de uma correcta regulamentação que tenha em consideração a componente humana e social da pesca e não apenas o factor biológico, o que na legislação nacional parece de facto nunca acontecer, levando os pescadores a afirmar que “quem manda só se preocupa com os peixes, nós podemos morrer à fome. “Esta situação revela sobretudo a pouca importância que é dada à investigação na área das Ciências Sociais e Humanas, baseando-se sempre e exclusivamente a regulamentação das pescas em pareceres da área da Biologia”86. 

80 IDEM – ibidem – p. 173. 
81 IDEM – ibidem – p. 174. 
82 IDEM – ibidem – p. 175. 
83 IDEM – ibidem – p. 175. 

84 IDEM – ibidem – p. 175 e 176. 
85 IDEM – ibidem – p. 176. 
86 IDEM – ibidem – p. 178. 

Praia de Mira – Trabalho de campo 

O trabalho de campo foi desenvolvido na Praia de Mira e em torno dos Palheiros da mesma área, uma vez que constitui um dos melhores, senão mesmo o melhor exemplo, da prática da arte xávega actualmente em território português. 

De facto, a prática desta arte é hoje ainda visível nesta Praia, diariamente, desde o nascer ao por do sol, nos meses de Verão, atraindo também a atenção dos mais curiosos e turistas. Segundo o Sr. Américo Domingos, na Praia de Mira já só trabalham seis companhas, sendo que apenas uma delas, a “Alexandre Vieira” trabalha durante todo o ano, chegando a fazer cinco a seis lanços por dia, ao contrário das restantes que fazem apenas dois ou três, quando o mar os favorece e cada um deles dura em média duas a três horas. Estas seis companhas da Praia de Mira pertencem à Capitania de Aveiro, sendo que poucas vezes se verificou no passado a ocorrência de tantas embarcações numa só praia. 

A companha seis companhas, sendo que apenas uma delas, a “Alexandre Vieira” trabalha durante todo o ano, chegando a fazer cinco a seis lanços por dia, ao contrário das restantes que fazem apenas dois ou três, quando o mar os favorece e cada um deles dura em média duas a três horas. Estas seis companhas da Praia de Mira pertencem à Capitania de Aveiro, sendo que poucas vezes se verificou no passado a ocorrência de tantas embarcações numa só praia. 

A companha “Alexandre Vieira” é a segunda companha a Norte da Praia de Mira, cujo comprimento do barco atinge quase os 12 metros e de largura tem cerca de 3 metros, sendo o maior da Capitania. Possui características que os distingue de todos os outros, pois é o único barco de fibra, já que os restantes são todos de madeira. Segundo o Sr. “Chico da Boina”, um dos 17 pescadores desta Companha, que para ela trabalha há cerca de 2 anos o barco é obrigado a ter dois motores, uma vez que não tem remos. As redes por ele utilizado atingem os 800 metros, sendo actualmente maiores, pois quando era usada a alagem pelo auxílio dos bois tinham cerca de metade do tamanho, relembra o Sr. Chico. 

Possui outra característica peculiar, uma vez que é das poucas praias onde se pratica arte xávega e que possui também posto de vendagem. Actualmente possui quatro armazéns, localizados junto à praia, sendo que o primeiro funciona como posto de vendagem e os três restantes para armazenagem de todo o material e dos tractores. Este posto de vendagem atraindo muitos compradores, que aproveitam para comprar peixe, muitas vezes em leilão. 

Barco “Alexandre Vieira” – o maior da praia de Mira, com quase 12 metros de comprimento (Fotografia – Maria João Marques) 

Mira, também conhecida como a terra dos Palheiros surgiu realmente com a fixação de comunidades de pescadores que para aqui vinham trabalhar. As características desta arquitectura popular conferem a Mira um aspecto pitoresco ou conferiram pelo menos até há bem pouco tempo. De facto, com o passar dos anos, as Políticas de Intervenção Urbana têm em muito contribuído para o seu desaparecimento quando deviam, obviamente, zelar pela sua manutenção e continuidade. Na verdade, actualmente são quase inexistentes os palheiros, sendo que ainda há menos de um ano foram demolidos por ordem da autarquia um dos últimos conjuntos destas casas, afirmou o Sr. Américo Domingos. Segundo as suas palavras “eram os últimos mesmo aqui junto à praia e foram demolidos porque a gente do costume assim o quis, é uma pena, mas já nada podemos fazer”. 

No entanto, em comparação com as aldeias de terras próximas, a população de Palheiros impressiona pela falta de carácter e pela pobreza do seu património espiritual. De facto, estas comunidades sempre foram conhecidas pela sua fé e crença e, de facto, Mira tem uma capela, junto à praia, também de madeira e que, segundo as palavras da Sr. Joaquina já é muito antiga, terá certamente mais de um século e todos os anos é alvo de pequenos restauros, sendo que também no seu interior, pelas paredes, têm cordas e bóias dos pescadores e, no altar, a N. S. da Conceição. No entanto, há menos de três décadas, nas proximidades foi construída uma outra igreja, mas a qual não é adorada nem frequentada pela então reduzida comunidade de pescadores que, todos os anos insistem em levar na procissão a Santa. Ainda na antiga capela, há poucos anos foi acrescentado um pequeno anexo, também de madeira, onde já esteve um pequeno altar, no exterior, com uma figura da Santa envolvida por conchas e leques, colocadas pelos pescadores. “Quando o mar era ruim, assim muito mau, levavam os pescadores barcos muito grandes e com muita gente, não é como agora que se usam os tractores, pois antes é que era preciso usar a força, com a ajuda dos bois tá claro. Quando viam que ia morrer alguém, porque isso também acontecia às vezes, rezavam à santa, eu ainda me lembro quando era miúda. Diziam que ela fazia milagres e o mar ficava logo ali sereno e dava para eles virem. Tudo tem muita fé nesta santa e, no entanto, faz-se sempre a festa dela e tudo aqui vem”. 

Capela da Praia de Mira (In Raquel Soeiro de Brito – Palheiros de Mira) 

Anexo acrescentado mais recentemente à capela dos pescadores (Fotografia – Maria João Marques) 

Para além das particularidades ligadas à área onde se estabeleceu este núcleo, no qual a lagoa desempenha também um papel fundamental na morfologia e confere um ar característico à terra, a pesca apresenta hoje algumas particularidades face ao que ocorre noutras praias que convém referir. Em primeiro lugar pela dimensão das embarcações, que nesta praia são as maiores de toda a costa.

Por outro lado, porque aqui desenvolveu um sistema de “braços” acoplados aos tractores que, encaixando na ré das embarcações mais pequenas para calar redes branqueiras, perpendicularmente à praia; fundeadas pelo lado do mar com sacos de areia, estas redes são aladas para a praia com os aladores dos tractores através de um dos cabos que fica preso junto ao armazém da companha. 

(Comparação das dimensões máximas e mínimas dos barcos de algumas praias (In Henrique Souto – Comunidades de Pesca Artesanal – Estudo Geográfico) 

À conversa com os pescadores: Américo Domingos, Chico da Boina e Manuel João 

Há quantos pratica esta arte? 

Américo Domingos – o meu pai já fazia esta arte, assim como o meu avô, assim que fiz 14 anos, juntei-me a eles para continuar a tradição de família. 

Quantas campanhas existem actualmente aqui na praia de Mira? 

Chico da Boina – existem 6 companhas mas só uma é que trabalha o ano todo, que é a campanha do Alexandre Vieira que chega a fazer a 5 a 6 lanços ao dia. 

A que distância costumam pescar? 

Manuel João – a gente na passa mais de uma milha da costa, só trabalhamos com cordas que devem ter aí uns 700/800 metros. Como não temos mais não dá para ir mais longe. 

Quais são os peixes que saem mais? 

Américo Domingos – carapaus, sardinhas, cavalas, petinga e às vezes alguma raia. 

Quais as principais dificuldades que encontra no seu trabalho? 

Chico da Boina – o dinheiro que fazemos é muito pouco para o trabalho que temos e a única ajuda que temos por parte do Estado é para o gasóleo. De resto arranjo de motores, redes, barcos sai tudo do nosso bolso. 

Os barcos das campanhas tem todos o mesmo tamanho? 

Manuel João – sim mais metro menos metro, são todos do mesmo tamanho a única diferença são os matérias usados na construção deles, o nosso é todo feito de fibra, os outros são apenas revestidos de madeira. 

As redes estragam-se muito? 

Américo Domingos – sim temos que remediá-las várias vezes e porque são caras só lá de vez em quando é que metemos uma secção nova. 

Enquanto remam costumam fazer cânticos? 

Chico da Boina – claro menina, faz parte do nosso trabalho e tradição, mas também ajuda a marcar o ritmo dos remos. 

Tendo em Conta que a arte da xávega encontra-se em vias de extinção, o que acha que se devia fazer para preservá-la? 

Manuel João – é darem apoios e subsídios aos pescadores como deve de ser e mudarem as leis e cotas que nos penalizam em relação aos nossos companheiros estrangeiros. 

Uma vez que a actividade normalmente e sazonal como sobrevivem o resto do ano? 

Américo Domingos – bem no caso de nós os 3, nós já somos reformados por isso dedicamo-nos só a isto, mas temos companheiros que se vêm forçados a ir para as obras de inverno para sustentar as famílias. 

Aqui em Mira praticam mais algum tipo de pesca se ser a xávega? 

Chico da Boina – com certeza menina, temos companheiros nossos na pesca do bacalhau. Há muito tempo atrás já chegamos a ter aqui em Mira 400 pescadores, mas a maioria ou está reformada ou já faleceu. 

Conclusão 

A prática da arte xávega, adoptada em meados do século XVIII, inaugurou uma nova época de organização da pesca, muito antes de transformações conhecidas para os finais do século XIX. Custos adicionais, num calendário fixado pela migração sazonal da espécie, aponta para uma evolução da sociedade de pesca, no contexto geral do negócio da salga. Esta arte é praticada por grupos de pescadores denominados companhas, que funciona como uma sociedade formada por pequenos grupos, sendo que a maior a actuar na Praia de Mira tem 17 pescadores durante todo o ano e não apenas nos meses de Verão como todas as restantes. 

A xávega sobrevive hoje graças a um pequeno grupo de velhos pescadores que se sentem realmente ligados à mesma e que, para além disso, precisam dela para como complemento de reforma ou também, em raros casos, de apoios autárquicos que pretendem de alguma forma dar continuidade ao quadro etnográfico ainda que, muitas vezes, não o façam da forma mais correcta. 

De facto, actualmente com todo o conjunto de evoluções tecnológicas no mundo da pesca, esta prática caiu em desuso, e como é praticada apenas nos meses de Verão, muitos pescadores da costa e Ria de Aveiro se deslocaram para o importante centro piscatório de Matosinhos que representa cerca de 50% do total das capturas do país, só regressando no Inverno. 

No que diz respeito às suas técnicas o que realmente menos mudou foi a rede. Hoje em dia apresentam-se maiores que há uns anos atrás, quando ainda eram usados bois para auxiliar na alagem das redes. O aumento do tamanho das mesmas andará à volta dos 50%, pois passaram de uma média de 400 para cerca de 800 metros. Dada também uma alteração da técnica de alagem, verifica-se uma diminuição do esforço colectivo, porém, um aumento da velocidade. Apesar de as companhas terem menos pescadores, fazem-se mais lanços, uma vez que são usados tractores. 

Porém, e infelizmente, o rendimento desta faina continua a ser reduzido. Factores como o mar, o clima e a própria crise mostram-se ameaças constantes, capazes de deixar escapar os mais fracos da prática desta arte. O famoso barco de meia-lua rasgando e vencendo as ondas do mar, a rede a ser alada, o peixe lutando pela vida na restinga ou simplesmente a força do homem, continuam a marca o passo diário nas areias da praia de Mira, muitas vezes sobre o olhar de por quem lá passa. 

No entanto, não deixa de ser surpreendente toda a actividade que a xávega ainda é capaz de provocar. As seis companhas ainda existentes na Praia de Mira, cada vez mais dependentes do Estado, ainda tem capacidade para mobilizar cerca de uma centena de homens. Muitos dele, já se sabe, são reformados, porém, experientes. 

O xávega, hoje mais curto cerca de 5 metros quando comparado com o grande barco de mar outrora pelos mares navegando, foi concebido sobretudo para vencer a chamada “cabeça do mar”, sendo que esta continua a ser a manobra mais complicada e problemática, mesmo após a introdução de motores. No entanto, o uso dos remos não deverá ser desvalorizado, bem pelo contrário, pois ainda hoje é com a ajuda dos mesmo que se vence a rebentação, já que nem sempre há altura de água para que a hélice dos motores girem de forma livre, sem atrito com a areia o que pode, obviamente, provocar danos. 

De facto, as redes continuam a ser tratadas por verdadeiros especialistas ainda hoje: os redeiros. A maior parte das companhas possui mais que uma rede e os patrões costumam optar pela substituição de secções da rede quando esta começa a degradar-se. Normalmente são secas ao sol entre os lanços, sobretudo os sacos. 

O rendimento obtido da prática da xávega continua longe de satisfazer os pescadores, para além de que esta arte sazonal, obriga que muitos procurem outras actividades durante o resto do ano. A também sazonalidade de certas espécies, como a cavala, que muitas vezes só começa a aparecer a partir de Junho, faz com que as companhas apostem mais na sardinha e no carapau. A sardinha não sendo muito grande na zona da Praia de Mira, faz com que seja capturada em maior quantidade a petinga, que não é mais do que a sardinha pequena. No entanto, rende muito pouco e nos meses de Verão costuma ser vendida a preços extremamente reduzidos. 

Porém, com todas as inovações decorrentes do tempo, a operação continua a exigir uma grande coordenação de esforços e uma inteligente e meticulosa divisão de tarefas. Pois, mesmo quando os barcos não estão no mar há sempre trabalho a fazer, como viajar o aparelho, cuidar da manutenção dos tractores e das redes, bem como estar sempre atento à hipótese de iniciar um novo lanço. As companhas mantêm uma distância razoável entre si, muitas vezes o dobro do comprimento das mangas (230 metros), mudando de posição no Verão, devido à presença dos banhistas. 

Os homens da Praia de Mira necessitam do turismo para manter viva esta arte. Já que estes não só consomem o peixe capturado como funcionam como factor de atracção, embora deste último resulte aparentemente pouco retorno no que diz respeito ao apoio Estatal. Basicamente, as companhas estão por sua conta e risco que, no fundo, é uma das essências desta arte teimosa teimosa e orgulhosa, que se vai arrastando no tempo. 

Bibliografia 

AMORIM, Inês – A estrutura das “artes novas” da costa de Aveiro ao longo da 2ª metade do séc. XVIII : mão-de-obra, divisão de trabalho, formas de propriedade e divisão do produto – Santiago de Compostela: Consello da Cultura Galega, 1998; 

AMORIM, Inês – História do trabalho e das Ocupações. Vol. II: As pescas. Celta Editora, 2001; 

AMORIM, Inês – Relações de trabalho e gestão pesqueira nos séculos XVIII e XIX – A pesca da xávega na praia do Furadouro (Costa de Aveiro). In Revista de História Económica e Social, 2000; 

BRITO, Raquel Soeiro de – Palheiros de Mira – Formação e declínio de um aglomerado de pescadores. Lisboa, 1960; 

LOPES, Helena e LOPES Paulo Nuno – A safra. Livros Horizonte, 1995. 

PEIXOTO, Rocha – Palheiros do Litoral. Portugália, vol. I. Lisboa, 1899-1903; 

QUINTAS, Maria da Conceição – O Aglomerado urbano de Setúbal: Crescimento Económico, Contexto Social e Cultura Operária 1880-1930. Coimbra, 1995; 

SILVA, Baldaque A. A. – Estado actual das pescas em Portugal. Lisboa, Imprensa Nacional, 1891 

SOUTO, Henrique – Comunidades de pesca artesanal na costa Portuguesa – Estudo Geográfico. Lisboa, 1998; 

VASCONCELLOS, J. Leite de – Etnografia portuguesa, vol. II. Lisboa, 1936.